Numa conversa exclusiva com a Krooze, Marco Ferraz fala sobre sustentabilidade, inovações e tendências globais
Por Fernanda Corrêa
A sustentabilidade ganhou força na indústria marítima nos últimos anos e está provocando grandes mudanças nas operações de toda a cadeia. Para entender como o tema está evoluindo no Brasil e no mundo, a Krooze realizou uma entrevista exclusiva com Marco Ferraz, presidente executivo da CLIA Brasil (Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos), associada à Cruise Lines International Association (CLIA).
O entrevistado é administrador de empresas pela Fundação Getúlio Vargas e FAAP, com experiência consolidada no segmento de turismo – e discorreu sobre os assuntos que movimentam a pauta global de conversações, numa videoconferência com os executivos da Krooze, Alex Calabria (Diretor Comercial) e Fernanda França (Diretora de Conteúdo), realizada em junho deste ano.
Acompanhe abaixo os detalhes da entrevista.
Krooze – Os navios de passageiros representam menos de 1% da frota marítima global, mas lideram as tecnologias inovadoras. Quais iniciativas sustentáveis as companhias marítimas praticam atualmente?
Marco Ferraz – Ao longo dos últimos anos aconteceram várias mudanças no design dos navios. Por exemplo, foi implantado um bulbo na frente do casco para neutralizar ondas de arrasto, a primeira onda gerada neutraliza a segunda, então o navio tem menos arrasto. A pintura dos cascos foi trocada para tintas mais lisas, para o navio deslizar mais. Outra inovação são pequenos furos na estrutura do casco que soltam microbolhas embaixo do navio, ele desliza mais. Somente essas mudanças diminuíram o consumo de combustível em 5%.
Dentro do navio várias mudanças foram realizadas para reduzir o consumo. Troca de todas as lâmpadas para LED, sistemas de ar-condicionado mais eficientes, janelas escurecidas, portas internas com sistema de abre-fecha, para não aumentar a temperatura no interior do navio.
Hoje os navios têm plantas de purificação de água tão evoluídas quanto às melhores existentes em terra, tanto para grey-water, água de uso em banheiros e cozinhas, como para black-water, que é água de esgoto. A água que sai depois de purificada é até mais limpa do que os mares que a gente navega. Sobre reciclagem, 100% do que é consumido a bordo tem um destino, seja com reuso, com desembarque ou com queima, onde os materiais incinerados são transformados em energia.
O volume anual de reciclagem na frota global de cruzeiros é de 80 mil toneladas, incluindo vidro, alumínio e plástico. Tudo é reciclado e destinado a empresas certificadas que dão destino aos materiais. E o plástico de uso único está praticamente eliminado dos navios.
A CLIA acompanha todas as iniciativas e, para uma companhia ser associada, assina um compromisso com toda essa política de sustentabilidade. Também temos auditorias externas que fazem até 12 inspeções por ano em cada companhia, para avaliar se estão dentro dos padrões. Então essa questão é muito importante, sem ela não é possível se associar à CLIA.
Krooze – Qual programa global para reduzir a pegada de carbono os associados da CLIA seguem?
Marco Ferraz – A CLIA segue as diretrizes da IMO (Organização Marítima Internacional) e do Green Deal da Europa. Nossa meta é diminuir a emissão de carbono em 40% até 2030, comparado aos níveis de emissão de 2008. E, em abril deste ano, assumimos um novo compromisso de reduzir em 100% a emissão de carbono até 2050. A novidade é que essa redução será net carbon zero, ou seja, será na operação do navio e também na fabricação do combustível.
Antes de chegar a esse patamar, vamos usar um combustível intermediário que é o GNL, gás natural liquefeito – hoje 44% dos navios usam GNL. Entretanto, precisamos que os portos estejam preparados para abastecer esses navios, isso ainda não acontece no Brasil, apenas alguns portos no mundo tem estrutura. Até 2024 o porto de Santos deverá estar capacitado e, eventualmente, Rio de Janeiro e Salvador.
As companhias marítimas disponibilizaram um fundo de 5 bilhões de euros para fomentar as pesquisas – as possíveis novas fontes são o hidrogênio, o metano e a amônia. Devemos ter uma resposta nos próximos anos, pois um navio tem uma vida útil entre 20 e 25 anos e, para navegarem em 2050, em breve devem estar sendo construídos.
Uma boa notícia é que já estão acontecendo encontros com empresas privadas para fornecimento de gás natural liquefeito no Brasil, trazendo investimentos para abastecer navios no nosso país. Se houver demanda, em 2 ou 3 anos teremos abastecimento de gás natural na maioria dos portos brasileiros, seja por uma estrutura fixa ou por uma barcaça que abastece o navio.
Enquanto isso, vocês irão observar mudanças radicais de itinerários nos próximos tempos, para que os navios naveguem em velocidades menores, em distâncias mais curtas entre as escalas, para assim consumir menos e reduzir emissão de gases.
Também já estão equipados com sistemas de catalisadores chamados EGCS que reduzem o enxofre em até 98% nos navios mais novos, em 12% o óxido de nitrogênio e até em 50% as partículas. Todo gás que sai do motor é literalmente lavado com água do mar, que depois é filtrada e devolvida ao mar. Com os navios e os aviões acontece a mesma evolução, na troca para uma nova geração, os motores são mais eficientes e economizam até 20% de combustível.
Krooze – No Brasil qual é o órgão que acompanha as mudanças que estão para ocorrer até 2050?
Ferraz – Aqui acontece uma fiscalização compartilhada entre a Anvisa, a Marinha e a ANA (Agência Nacional de Águas), que vistoriam todos os navios que vem para o Brasil. É realizada uma avaliação de toda reciclagem, da limpeza e purificação da água, fica tudo registrado. Realizam amostras da água descartada, assim como gases de escape. Somos bem fiscalizados.
Mas para se preparar para o futuro, a CLIA é a entidade que está liderando as conversações com os portos e com o Ministério da Infraestrutura, para promovermos juntos a reestruturação dos portos para receber os navios maiores. Precisamos atendê-los em questões como abastecimento, dragagem, e também no cabeço, local onde os navios são amarrados. Atualmente não estão suportando os navios mais altos, pois o vento estica as cordas e, para compensar, o navio atracado tem que ligar os motores para voltar para o costado. Esses são alguns dos desafios dos grandes portos e também no Amazonas, onde é difícil abastecer um navio pois fica distante dos grandes portos da costa litorânea, temos como opções apenas Manaus ou Santarém.
Krooze – Os viajantes brasileiros terão novos portos para facilitar o embarque mais próximo à sua região?
Ferraz – Sim, uma tendência é pulverizar os embarques. Atualmente existem 5 pontos de embarque e dois estão se consolidando muito bem. Além de Santos, Rio e Salvador, que por sinal está crescendo muito, o porto de Itajaí está sendo fantástico, terá na próxima temporada dois navios dedicados – um da Costa e um da MSC. E Maceió também está se transformando num bom porto de embarque, o terminal de passageiros foi inaugurado na temporada passada.
Desta forma, o viajante do nordeste pode embarcar em Maceió e em Salvador. Quem mora no Sul embarca em Itajaí e, no Sudeste, o embarque fica em Santos e no Rio de Janeiro. A oferta ainda pode aumentar com a abertura de Paranaguá, atendendo o oeste do Estado de São Paulo, além do Paraná e o sul do Mato Grosso do Sul. Isso faz mais sentido do que vir para Santos.
Até 500 quilômetros percebemos que as pessoas usam seu carro, chegam antes no local de embarque e vão embora depois, fazem passeios pela cidade. São fronteiras que podemos estar passando nos próximos anos.
Krooze – Observamos uma oferta crescente de excursões em terra focadas em sustentabilidade. Na sua opinião, como o setor de turismo brasileiro pode navegar nessa tendência?
Ferraz – As companhias marítimas estão buscando mais alternativas sustentáveis e novos roteiros. Fazem concorrências com os receptivos locais para atender os navios de cruzeiro e assim gerar empregos, receita e impacto positivo para a comunidade. Em alguns locais, quando o passageiro desembarca, faz um cursinho sobre meio ambiente e cada vez mais isso vai se espalhar em roteiros por todo Brasil, pois o próprio passageiro está mais consciente e buscando roteiros mais sustentáveis. Faz todo sentido o conceito “Tudo que você encontrar aqui, não mexa, não transforme. Tudo que você consumir, leve embora” – para gerar menor impacto e pegada nos locais.
Krooze – As companhias marítimas foram uma referência durante a pandemia na adoção de protocolos de segurança. Como está a preparação para a temporada 2022/2023 no Brasil em relação à saúde?
Ferraz – A situação de emergência foi cancelada pelo Ministro da Saúde, então caíram todas as medidas de combate ao Covid. Entretanto, a ANVISA, que tem gerência sobre portos e aeroportos, não deixou cair todas as medidas e está avaliando caso a caso. Nos navios, a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 574 foi prorrogada para o ano que vem, e iniciamos reuniões mensais até o início da próxima temporada para acompanhar a situação do Covid no Brasil, para flexibilização ou não de algumas regras.
Vacinas, testagem pré-embarque, no embarque e dentro do navio, uso de máscaras e distanciamento a bordo são as questões que mais iremos discutir, mas já trazemos vários aprendizados.
A CLIA e a ANVISA estão acompanhando de perto a temporada de verão do hemisfério norte para trazer as melhores práticas. Estamos muito animados, a próxima temporada vai ser a maior dos últimos 10 anos, com 8 navios navegando na costa brasileira durante 6 meses, com 674 mil leitos sendo ofertados. As vendas estão fortes e, se chegarmos a 90% dessa capacidade, teremos uma temporada muito boa. Com a alta de preços do aéreo e dos hotéis, dentro e fora do Brasil, os navios de cruzeiro estão sendo beneficiados, pois trazem um excelente valor agregado.
Krooze – Os cruzeiros marítimos empregam mão de obra local. O que diria para brasileiros que desejam trabalhar na indústria de cruzeiros?
Ferraz – Na próxima temporada, a operação aqui no Brasil vai ter cerca de 10 mil tripulantes, sendo que é obrigatório que 15% sejam brasileiros, ou seja, teremos cerca de 1.500 tripulantes brasileiros. Eles são treinados e capacitados por empresas brasileiras, que mandam então os currículos para as companhias de cruzeiros marítimos no mundo todo.
Geralmente os brasileiros iniciam o trabalho na Europa, terminando no Brasil ou podem até iniciar no Brasil para terminar na Europa. É um contrato Internacional de 7 a 9 meses e a regulamentação do trabalho é da OIT (Organização Internacional do Trabalho), sendo que existe uma convenção e sindicatos internacionais que fazem as convenções coletivas. No Brasil há a fiscalização do Ministério do Trabalho.
Quando visitamos os navios, conversamos com os brasileiros, o trabalham é intenso mas gostam pois conseguem se posicionar muito bem no mercado de trabalho; o navio é uma escola importante, eles crescem muito e conhecem muitos destinos. Depois facilmente o profissional se encaixa na indústria de entretenimento, hotelaria e de transportes.
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