Presidente da Clia Brasil responde com exclusividade sobre a temporada, tendências e desafios do setor de cruzeiros
Por Aline Andrade
Em uma entrevista exclusiva, a Krooze conversou com Marco Ferraz, presidente da CLIA Brasil (Cruise Lines International Association), para discutir os principais temas relacionados ao setor de cruzeiros no Brasil e no mundo. Durante o bate-papo, esteve em pauta o crescimento no número de cruzeiristas, desafios no setor portuário, o impacto de eventos como o Cruise360 e mudanças no perfil dos viajantes.
Confira os principais trechos dessa conversa da Krooze com a Clia
Qual você acredita ser o principal fator responsável pelo crescimento de 15% no número de viajantes em 2024?
“A Clia ainda não consolidou os dados do quarto trimestre de 2024, mas as expectativas são otimistas. A projeção é que o setor alcance 35,7 milhões de passageiros globalmente, um aumento significativo de 6% a 7% em relação ao ano anterior. Este crescimento é impulsionado por diversos fatores, entre eles, a entrada de novos navios em operação, que amplia a oferta de leitos e itinerários disponíveis. A ampliação da frota é um dos grandes propulsores desse crescimento. Novos navios não só aumentam a capacidade de transporte, mas também oferecem experiências inovadoras e atraentes para os passageiros. Cada nova embarcação traz consigo mais leitos, mais itinerários e a possibilidade de explorar destinos inéditos ou de revisitar clássicos sob uma nova perspectiva.”
“Além disso, a evolução no design dos navios e a oferta de serviços a bordo contribuem diretamente para atrair mais viajantes. O mercado de cruzeiros conseguiu se posicionar como uma opção com excelente custo-benefício, combinando transporte, hospedagem, gastronomia e entretenimento em um só pacote. Para o consumidor final, essa combinação representa não apenas uma viagem, mas uma experiência completa. Um dos grandes atrativos do cruzeiro é a possibilidade de explorar destinos de forma prática e confortável. Ao contrário de outros meios de transporte, o navio permite que o viajante acorde em um novo destino a cada dia, sem a necessidade de trocar de hotel ou encarar longos deslocamentos. Além disso, muitos portos estão estrategicamente localizados próximos às principais atrações turísticas, o que facilita ainda mais a experiência. Os cruzeiros também se destacam por permitir o acesso a locais que não podem ser facilmente alcançados por avião, carro ou trem, como pequenas ilhas ou regiões remotas. Isso torna a viagem de cruzeiro única e personalizada, seja em um navio de oceano, fluvial, expedição ou de luxo.”
“E os agentes de viagem desempenham um papel fundamental no crescimento do setor de cruzeiros. Eles têm se especializado cada vez mais nesse segmento, participando de treinamentos, visitas a bordo e até mesmo experiências em navios. Essa preparação permite que eles entendam profundamente o produto, o que facilita na hora de apresentá-lo aos clientes. A venda de cruzeiros, segundo a Clia, já se consolidou como uma das principais opções oferecidas pelos agentes de viagem. Ao abordar os clientes, os agentes conseguem incluir o cruzeiro como uma alternativa versátil e atraente, comparável a outras experiências de viagem, como resorts, hotéis de praia ou viagens à neve.”
Então, você acha que o agente de viagem é um dos fatores que contribui para os números de crescimento do setor. O que mais você avalia em relação a como o mercado brasileiro tem contribuído para o crescimento desses números?
“As companhias de cruzeiros, tanto as que operam no Brasil quanto as que vendem viagens internacionais e têm presença direta ou via representações, estão realizando um excelente trabalho. A atuação comercial dessas empresas no Brasil é robusta, com iniciativas que incluem participação em feiras do setor, Roadshows, visitas diretas a agentes de viagem, propagandas em mídias especializadas e treinamentos virtuais. Esses esforços são voltados não apenas para o agente de viagem, mas em alguns casos também chegam ao consumidor final, o que amplia o alcance e a visibilidade dos cruzeiros como opção de viagem.”
“Apesar desses avanços, o Brasil ainda enfrenta desafios para expandir a base de cruzeiristas. Atualmente, apenas cerca de 0,3% da população brasileira realiza viagens de cruzeiro, seja no Brasil ou no exterior. Quando comparamos esses números com mercados mais consolidados, como os Estados Unidos, onde a penetração de cruzeiros ultrapassa 3%, ou a Austrália, que atinge impressionantes 6%, percebemos o grande potencial de crescimento do setor no Brasil. Esse cenário reflete a necessidade de investimentos estratégicos e ajustes em diversas áreas. Entre os fatores que podem contribuir para o aumento do número de brasileiros a bordo de cruzeiros estão melhorias na infraestrutura portuária, a criação de novos destinos atrativos, a redução de custos operacionais e a modernização da regulamentação do setor. Com essas mudanças, o Brasil tem potencial não apenas para dobrar, mas para multiplicar o número de cruzeiristas nos próximos anos.”
“Outro ponto crítico é a ausência de navios operando no Brasil durante todo o ano. Hoje, a temporada de cruzeiros no país se concentra nos meses mais quentes, enquanto destinos como Europa e Estados Unidos já oferecem cruzeiros de sucesso durante o inverno, mesmo em condições climáticas mais severas do que as enfrentadas aqui. O Brasil, por ter um inverno mais ameno, poderia explorar melhor esse período e oferecer cruzeiros durante o ano inteiro, atendendo a uma demanda que já existe e ampliando significativamente a oferta. Além disso, a diversificação de itinerários e a ampliação da oferta de navios para todas as estações podem contribuir para uma maior popularização dos cruzeiros no Brasil. A chegada de mais navios, operando em diferentes épocas do ano, pode impulsionar o setor, trazendo mais opções de roteiros e preços competitivos, além de estimular a busca por esse tipo de viagem”
Você falou a respeito dos leitos e saíram algumas informações sobre a redução da quantidade de leitos na próxima temporada. De fato, vai haver redução dos leitos e quais os principais fatores levaram a essa perda de capacidade, e se tem um fator principal?
“A temporada atual contará com dois navios a menos: um da MSC e outro da Costa, o que deve resultar em uma redução de mais de 20% no total de leitos disponíveis. Essa perda não é apenas reflexo da quantidade menor de navios, mas também do tamanho das embarcações, do número de roteiros e do tempo que elas permanecem na costa brasileira. Essa redução afeta negativamente o impacto econômico no país, diminui a geração de empregos, reduz opções para os agentes de viagem e limita os roteiros disponíveis para os consumidores. O Brasil enfrenta desafios persistentes, como altos custos operacionais e infraestrutura insuficiente. Enquanto isso, outros países têm ajustado suas estratégias e apresentado planos de negócios mais atrativos para as companhias, o que tem levado navios a escolherem outras regiões. A falta de competitividade acaba prejudicando não apenas o Brasil, mas também os roteiros que incluem Argentina e Uruguai, que compartilham esses desafios.”
“Apesar dos esforços contínuos do setor, incluindo diálogos com autoridades, fornecedores e o setor privado, ajustes cruciais em infraestrutura e custos operacionais não avançaram. Além disso, fatores econômicos como o câmbio desfavorável têm agravado a situação. Os custos de operação, como leasing, salários, combustível e seguros, estão em dólar, o que aumenta as despesas quando a moeda americana se valorizou em relação ao real. É urgente que sejam tomadas medidas para tornar o Brasil um ambiente mais atrativo para cruzeiros, tanto para recuperar os navios perdidos quanto para atrair novas embarcações nas próximas temporadas. A expectativa é que, com esforços coordenados, seja possível reverter essa tendência já na temporada 2026/2027. No entanto, recuperar a confiança e o interesse das companhias é um trabalho desafiador que exige ações rápidas e consistentes do setor público e privado.”
Em relação aos eventos na área de turismo e cruzeiros. Que papel eventos como a Fitur, que teve agora o espaço com o Fitur Cruise, desempenham para sustentar ou acelerar esse crescimento no setor?
“A FITUR tem desempenhado um papel importante no setor de cruzeiros, e a crescente participação dessa indústria na feira chama a atenção de todo o trade. Agentes de viagens, operadores e outros profissionais do setor são influenciados diretamente, impactando vendas, itinerários e estratégias de alocação de navios. Muitos desses agentes e operadoras aproveitam a oportunidade para atrair navios para seus destinos preferidos ou para fretamentos e cruzeiros temáticos. A CLIA, como entidade representativa, trabalha ativamente nessa frente, organizando eventos tanto institucionais, para discutir problemas e oportunidades com autoridades, quanto voltados para agentes de viagens.”
“Nos Estados Unidos, esse tipo de evento já acontece há mais de 20 anos, sendo altamente consolidado. No Reino Unido e na Austrália, eles também são bem-sucedidos. No Brasil, após o lançamento em 2022, teremos agora a segunda edição em março. Esses eventos combinam visitas técnicas a navios, treinamentos, workshops e networking, promovendo diálogo entre companhias e agentes de viagens. Esse intercâmbio é crucial para identificar demandas e trabalhar no desenvolvimento conjunto do setor.”
“A América do Sul, com 100 navios operando durante o verão, tem se destacado como destino relevante, mas ainda carece de operações durante o ano todo. No Brasil, temos cerca de 800 mil cruzeiristas de cabotagem e mais de 50 mil em viagens internacionais. A Argentina aproxima-se de 600 mil, enquanto Uruguai e Chile têm em torno de 400 mil cada. Em 2023, pela primeira vez, ultrapassamos a marca de 1 milhão de cruzeiristas na região. No entanto, muitos desses números se sobrepõem, já que passageiros que embarcam no Brasil muitas vezes também visitam Argentina e Uruguai em um único itinerário. Considerando os 420 milhões de habitantes da América do Sul, há um enorme potencial de crescimento. Se alcançarmos apenas 1% dessa população, seriam 4 milhões de cruzeiristas. Além do Brasil, países como Uruguai e Argentina já possuem destinos consolidados, enquanto o Chile oferece uma ampla diversidade, desde Puerto Williams até Arica, com mais de 10 pontos turísticos. No Peru, destinos como Callao e Miraflores mostram grande potencial, e o Equador se destaca com Galápagos, que têm operações o ano inteiro. A experiência do cruzeirista movimenta toda a cadeia, desde a chegada em aeroportos, estadias em hotéis, até o embarque em portos como Itajaí, Santos, Rio, Salvador ou Maceió.”
Aproveitando para falar sobre a infraestrutura portuária para cruzeiros, quais investimentos o Brasil está realizando? Tem o projeto do Valongo, mas além do projeto do Valongo tem algum outro projeto específico em andamento para modernizar e ampliar os terminais?
“Além do projeto do Valongo, no Porto de Santos, existem diversas ações específicas sendo realizadas em outros portos. Em um panorama, de sul a norte, sobre os principais investimentos e melhorias: estão PortoBello, em Santa catarina,
que está expandindo seu píer para que ele seja alfandegado, permitindo a recepção oficial de navios internacionais e até mesmo pequenos embarques e desembarques. Apesar de já operar com navios internacionais nesta temporada por meio de autorizações especiais, o alfandegamento definitivo está previsto para a próxima temporada, o que trará maior regularidade e oportunidades de operações. Já em Balneário Camboriú, também em Santa Catarina, o píer recebeu recentemente a aprovação para alfandegamento, o que habilita o porto a operar com navios internacionais. Embora o píer não seja grande o suficiente para operações de grande escala (como embarque e desembarque de 4 a 5 mil passageiros), existe potencial para testes com pequenos embarques ou desembarques de cabines selecionadas. Essa aprovação abre novas possibilidades para o destino como um ponto de parada em itinerários internacionais.”
“Em Itajaí (SC), o porto passou por uma transição administrativa, onde a gestão, que antes era da prefeitura, foi transferida para o governo federal, com a administração atualmente sob responsabilidade do Porto de Santos. Essa mudança cria perspectivas para a construção de um novo terminal de passageiros, embora o projeto ainda esteja em fase inicial. O destino já se consolida como relevante no cenário de cruzeiros, com embarques semanais de mais de 2.000 passageiros, evidenciando a necessidade de ampliação de sua infraestrutura. Em São Francisco do Sul (SC), a prefeitura planeja licitar um pequeno terminal de passageiros e transferir sua administração para a iniciativa privada. Com investimentos previstos, o porto tem potencial para aumentar o número de navios recebidos no local, consolidando sua presença no setor. O Píer de Penha (SC), já está concluído e pronto para uso. Estudos técnicos conduzidos pela Marinha estão em andamento, e atualmente aguarda-se a aprovação final dos sinais de navegação para possibilitar escalas-teste. Apesar de não haver tempo hábil para essa temporada, espera-se que, na próxima, Penha se torne um destino viável, especialmente com o apelo do Beto Carrero World como atração para famílias.”
“Seguindo pelo estado do Paraná, Paranaguá, embora a MSC e a Costa tenham retirado escalas em Paranaguá na próxima temporada, o governo do Paraná demonstrou interesse em construir um terminal de passageiros no local. Um terminal dedicado poderia mudar a dinâmica de operações no porto, incentivando o retorno de navios e fomentando o turismo na região. Em Santos, o projeto do Valongo busca modernizar a infraestrutura do principal terminal de passageiros do Brasil, aumentando sua capacidade de receber cruzeiros internacionais e melhorando a experiência dos viajantes. O projeto é considerado estratégico para consolidar Santos como um dos principais hubs de cruzeiros na América do Sul. Embora haja avanços significativos, desafios como altos custos de operação, limitações de infraestrutura e necessidade de alinhamento regulatório permanecem. No entanto, os investimentos previstos e em andamento demonstram um comprometimento crescente em consolidar o Brasil como um destino competitivo no mercado global de cruzeiros.”
“Vitória tem se esforçado para se consolidar como um destino de fundeio. Com a área já definida, o foco agora está na construção do píer e nos ajustes finais, com a expectativa de realizar uma escala teste na próxima temporada. Em Ilhéus, na Bahia, há planos para a construção de um terminal de passageiros, pois, atualmente, o centro de eventos da cidade é utilizado. No entanto, há espaço disponível para a construção de um terminal dedicado, e a expectativa é que a CODEBA (Companhia Docas do Estado da Bahia) avance com o projeto.”
“Em Maceió está em processo de licitação do seu terminal de passageiros, e a previsão é que até o final deste ano seja definido um grupo privado para assumir a operação do terminal. E Fortaleza, que já foi privatizada, continua em pleno funcionamento, e em Natal há conversas em andamento para a realização de uma dragagem que permita a entrada de navios antes da ponte, facilitando operações no local. Belém está investindo na COP30, visando a criação de uma estrutura para atrair navios de cruzeiro de grande porte. Já no Amazonas, o píer recém-construído tem sido utilizado por navios de longo curso, que têm elogiado a operação local.”
Teve alguma mudança no perfil do viajante de cruzeiro nos últimos anos? Principalmente do brasileiro? Tem alguma nova tendência emergindo?
“Nos últimos anos, observamos algumas mudanças no perfil do viajante de cruzeiro, especialmente no Brasil. A idade média caiu ligeiramente, de 45 para 44 anos, e deve continuar a diminuir, alcançando cerca de 43 anos. Muitos grupos familiares, incluindo três gerações (avós, filhos e netos), têm escolhido os cruzeiros, assim como grupos de amigos. O aumento de cruzeiros temáticos também tem atraído um público novo, incluindo mais mulheres e até a geração Z, que está começando a se interessar pelos cruzeiros. Um diferencial importante desta geração é o número crescente de viajantes solo, o que tem levado as companhias a pensar em cabines menores, como estúdios, que oferecem custos mais acessíveis para quem viaja sozinho.”
Sobre o Cruise360, o que a gente pode esperar do evento?
“O Cruise360 tem o objetivo de expandir o conhecimento dos agentes de viagens sobre cruzeiros, incentivando novas agências a entrar nesse mercado. No Brasil, existem mais de 35 mil agências de viagens, mas menos de 10% delas vendem cruzeiros. O evento trará muitas oportunidades de aprendizado para agentes que já vendem cruzeiros, além de atrair novos interessados. Os participantes terão a chance de visitar navios, conhecendo a experiência completa de um cruzeirista – desde restaurantes, piscinas e excursões até o cassino e atividades para diferentes faixas etárias.”
“O Valongo será o local principal para a capacitação, com companhias apresentando suas operações em todo o mundo, além de muitas oportunidades de networking e rodadas de negócios com as companhias. O Cruise360 contará também com painéis e apresentações ao longo do dia, mesas para interação com os representantes das companhias e café aberto para conversas informais. À noite, um evento social será realizado para reunir todos os participantes do evento.”
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